Jamón Ibérico de Bellota, Torta Del Casar, cogumelos, vinhos: a pouco conhecida e deliciosa Extremadura

Jamón Ibérico de Bellota e Pitarra (vinho elaborado pelas famílias da região): bem vindo a Extremadura!

A Espanha é o segundo país mais visitado do mundo: em 2018, recebeu 81 milhões de turistas. Contudo, a maioria deles tende a ir para os mesmos lugares, superlotando cidades como Madrid e Barcelona e deixando de conhecer destinos de imensa riqueza histórica e cultural (e muito mais vazios!). É exatamente esse o caso da Extremadura.

Bacalhau com ovos e migas do restaurante A Velha Fábrica, dentro do lagar As Pontis, em Cáceres

Vista de Trujillo, na Extremadura: Romanos, visigodos, muçulmanos, judeus e cristãos definiram a sua identidade durante séculos.

Região fronteiriça com Portugal, a Extremadura é repleta de tesouros gastronômicos. Como forma de preservar a tradição e manter padrão de excelência, a região tem 12 alimentos com Denominação de Origem: Jamón Ibérico de Bellota, Pimientos De La Vera, Cordero de Extremadura, Ternera de Extremadura, Torta Del Casar, Quesos de La Serena, Queso Ibores, Aceites Gata-Hurdes, Aceite de Monterrubio, Miel de Villuercas Ibores, Cereza Picota del Jerte, Vinos Ribera del Guadiana. Passear pela Extremadura curtindo todos e cada um deles é uma das grandes atrações para qualquer visitante. Eu, por exemplo, viajo pra comer!

O delicioso queijo Torta De Casar, um dos símbolos gastronômicos da Extremadura

Criação de porcos ibéricos para produção de jamón em Trujillo: nos últimos meses de vida são soltos na dehesa para que comam bellotas

E não se pode falar de Extremadura sem se falar sobre a dehesa, bioma composto por bosques mediterrâneos que reúnem animais silvestres (lebres, veados), espécies vegetais nativas (cogumelos e frutos silvestres), cultivos de cereais/vegetais e gado, unindo a necessidade de preservação ecológica com a de produção de alimentos. É nas dehesas que estão os azinheiros e os sobreiros, árvores que produzem as bellotas, fruto com o qual os porcos ibéricos se alimentam no final da vida e que conferem notas adocicadas à carne do animal, consumida in natura ou sob forma de jamón.

Degustação na vinícola Habla, em Cáceres

Bellotas: esses frutos são a alimentação dos porcos ibéricos na fase da engorda. Com isso, ganham peso e a carne, sabor adocicado

Por falar em jamón (patas traseiras de porcos, salgadas e curadas) é bom esclarecer: quando se fala em jamón ibérico de bellota, dizemos “Ibérico” para a raça do bicho e bellota (em português, bolota) como definição para sua alimentação. O jamón pode ser proveniente de porcos 100% ibéricos ou misturados a outras raças, alimentados com vegetação nativa e bellotas ou apenas com ração, criados confinados ou soltos. Todos esses fatores farão diferença no bem estar do animal e, portanto, no sabor e preço do produto. Jamón Ibérico de Bellota = jamón feito com porcos 100% ibéricos, criados com ração/pasto e bellotas e totalmente livres na dehesa nos meses finais de vida.

Azeites extravirgens do lagar As Pontis: feitos 100% com a azeitona local Manzanilla Cacereña

Sala de cura de jamón na Casa Bautista, em Montánchez

A gastronomia extremeña é intensamente carnívora. Além do jamón, a região é conhecida nacionalmente pelo cordeiro, pela vitela, pelas caças e pelos pratos de bacalhau: a proximidade com Portugal integrou o peixe à mesa cotidiana, sendo consumido tanto em postas úmidas como misturado a migas, pedacinhos de pão salteados em azeite e alho.

A linda Cáceres: cidade murada preservada

Tostada de banana, patê de fígado de galinha com pimenta e mostarda fermentada: prato do excelente Atrio, em Cáceres

Qualquer viagem a Extremadura precisa ter Cáceres entre os destinos. Que cidade linda! As muralhas que circundam o centro histórico foram erguidas no século XII pelos árabes, substituindo as muralhas (já em ruínas) levantadas pelos romanos que fundaram a cidade no século I. Não bastasse sua monumentalidade e clima de festa nas ruas, ainda é o lar de um dos queijos mais sensacionais do planeta, o Torta Del Casar (clique AQUI para ler reportagem sobre ele), e do Atrio, dos melhores restaurantes que já fui na vida (vide box abaixo).

Cogumelos da estação com torradas de Torta del Casar: restaurante A Velha Fábrica

Pôr do sol em Mérida

Também em Cáceres, reserve um almoço no restaurante A Velha Fábrica, dentro do lagar As Pontis, que produz azeites extravirgens com variedade de azeitona Manzanilla Cacereña, hoje bem rara de se encontrar por ter produtividade pequena. O menu traz clássicos como salada de laranja sanguínea com bacalhau, croqueta de Torta Del Casar e cabrito serrano na brasa. Se você é beeeem aberto a novos sabores, compre na lojinha do restaurante as azeitonas caramelizadas recheadas com abacaxi ou figo: achei, no mínimo, desafiador…

Azeitonas Manzanilla Cacereña em calda (sim, doce!), recheadas com abacaxi: você encara?

Teatro Romano em Mérida, uma das principais cidades da Extremadura

Zonas produtoras de azeitonas geralmente são produtoras de uva – e de vinho. Na Extremadura não é diferente. A região ainda conta com uma grande tradição de produção familiar (os chamados vinhos Pitarra), mas algumas bodegas tem como grande aliada a tecnologia de ponta: a Habla é a principal e mais reconhecida.

O mais novo vinho da Habla tem segunda fermentação feita dentro do mar…

A Habla produz vinhos de uvas orgânicas em condições extremas – para se ter uma ideia, a última vez que choveu por ali faz mais de um ano, sem contar que as temperaturas médias vem aumentando. Mega moderna e tecnológica, sim, mas muito tradicional por outro lado: colhe as uvas a mão e envelhece suas edições especiais em pequenos barris de carvalho francês por até três anos. Como trabalham com a ideia de valorizar ao máximo o terroir, produzem vinhos ano a ano, sem jamais tentar “copiar” o sabor da última safra.

Pitarra: vinho tradicional da Extremadura, com produção familiar

Iluminada na torre da igreja em San Martín de Trevejo

Como as distâncias entre uma cidade e outra são relativamente pequenas na Extremadura – cerca de 80 km -, recomendo ficar num hotel /casa em uma cidade (Cáceres seria minha escolhida) e alugar carro para ter total mobilidade de ir explorando a região, sem pressa. Aliás, pressa é uma palavra sem nenhum sentido por lá… O negócio é admirar o tempo, seja o que passou e está impregnado em cada edificação, seja o que está por vir.

ÁTRIO: UMA JÓIA GASTRONÔMICA EM CÁCERES

Tapenade líquida entre finíssimos biscoitos de trigo sarraceno: o início de um esplêndido menu-degustação

O Átrio está entre os top 3 restaurantes que já fui na vida. Sem exagero.

Instalado num hotel no luxo na linda cidade de Cáceres, tem cozinha comandada por Toño Pérez. O chef trabalha de forma magistral, criativa e deliciosa com ingredientes típicos e/ou tradicionais da região como porco ibérico, Torta Del Casar, cogumelos, azeite. Nada é óbvio e tudo é impressionante. Mistura de alta gastronomia com comfort food.
De sabores familiares com preparos excepcionais.

Empada de taro com banha, creme ácido e flores.

Aconselho grandemente a fazer uma refeição especial ali: serão os 160 euros (menu degustação, por pessoa) mais bem gastos da sua existência. Entres os pratos mais impactantes estão o finíssimo e fresquíssimo crudo de camarões com salada de brotos e creme ácido e a delicada empada de taro com banha, creme ácido e flores.
Duas merecidas estrelas Michelin.

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